Crônicas

Não adianta nada pensar/espernear ‘demais’, nada se controla mesmo... vou tocar a vida


Sabes, este é o mês do meu aniversário. Sempre fico pensativa e faço algumas reflexões nesta data... da minha chegada aqui, nesta viagem/experiência. A tal crise existencial bate fundo...

Quando jovem, até lá pelos trinta anos, não costumava fazer grandes reflexões...só vivia nos rastros que me iam aparecendo/acontecendo. Época boa essa! Parece que o mundo é todinho da gente, existe para nos fazer feliz. Nada de lembrar das finitudes...

Mas, lá pelos quarenta, cai a ficha... e nos cinquenta aparece o alerta, a partir daí ... sessenta, setenta , oitenta, noventa vai-se adiando o bilhete da outra viagem, ao desconhecido... vale isso, para quem conseguir o adiamento, ainda ‘estar sendo’... vivo. Na semana passada fui ao aniversário da avó do meu genro, Dona Célia, 99 anos e lúcida... então , me permiti exagerar um pouquinho.

Então, lá vai a reflexão deste belo mês de julho:

Às vezes, canso de mim. Acho que devia “virar a mesa”, pegar um trem e ir viajar sem rumo ou direção. Refrescar a cabeça ‘quente’ na ventania (persistente) que sacode meu Ser...

A vida da gente devia ser ao contrário – nascer cheia de conhecimentos e sabedoria e com o passar dos anos ir ficando plena de ignorância e alienação ... esvaziando-se totalmente, até tombar no caixão.

Porque, fica-se sábia muito tarde, e as crises existenciais se instalam. Isso deve ser normal, talvez, até comum, para todo ser humano que reflete. Viver é problematizar sempre...

- Eu era feliz e não sabia? Devia ter trocado de emprego? Devia ter casado novamente? Devia ter ficado solteira? Devia ter comprado um cachorro? Devia ter viajado mais? Devia ter estudado arqueologia? E , blá,blá,blá ...

Por isso que, outras vezes, não me suporto e vou dar um mergulho no mar, refrigerar minha cabeça, ainda quente e quase explodindo... volto mansinha para minha vida. Costumo, também, me esconder até meu trem voltar para os trilhos e me conduzir a algum lugar, lá me despejar... com ou sem aquele adeus. Até porque sei ( finjo que não, às vezes, para relaxar), que o improvável e a incerteza estão a espreita, não é preciso tanta encenação e movimento... nada consigo controlar na vida, ela que me controla.

Por fim, me acalmo, lembrando as palavras da minha sábia avó que faleceu com 93 anos dando conselhos aos netos: “não se torture minha neta. Não adianta nada pensar/espernear ‘demais’, nada se controla mesmo e isso é uma resposta. Aproveite e aceite a vida. Ela é um milagre. O controle é só teu desejo... tua mera ilusão”.


ALICE LUCONI NASSIF



O inferno são os outros?


Ninguém nos interpreta como nós acreditamos nos expressar. Tudo é muito relativo e pedir a compreensão total é até absurdo. Será que nós nos fazemos entender? E será que sabemos compreender os outros?

Somos livres para obedecer aquilo que aprovamos e desafiar aquilo que desaprovamos... mas, dentro de um contexto que nos aprisiona sempre... a nossa época com os legados que herdamos.

E, viver em sociedade significa que nossa liberdade pessoal está limitada. Nunca somos o que desejamos ser... somos o que os outros esperam de nós. É preciso estar atento para preservar um pouco da nossa privacidade, de nós mesmos. Assim, não permitir sermos engolidos totalmente pelo coletivo. Sabem por que? Não adianta gritar e clamar contra nossa realidade/sociedade, somos seres humanos. E humanidade significa nunca estar só... precisamos dos outros para sobreviver . Somos a sociedade que , muitas vezes, condenamos...

Desde que nascemos, precisamos da mãe, da família ... os deserdados , de alguém que os ampare para que sobrevivam. Precisamos dos outros sempre. Embora esta necessidade não seja indolor, é imperativa para todos nós.

Sartre dizia “o inferno são os outros”. Seria o isolamento e a solidão o paraíso? Não, seria o fim da espécie humana.

Todorov dizia de outra maneira: “A criança procura captar o olhar de sua mãe não só para que esta acuda para alimentá-lo ou reconfortá-lo, mas porque esse olhar em si mesmo lhe traz um complemento indispensável: confirma –a em sua existência.(...) como se soubesse a importância desse momento.(...) essa ação seria completamente excepcional na idade adulta, quando um olhar mútuo de mais de dez segundos não pode significar mais do que duas coisas:que as duas pessoas vão brigar ou fazer amor.”

Na obra “ O mal-estar da civilização” Freud nos diz: (...) para o ser que necessita do olhar compreensivo e confirmador do outro para conseguir ser ele mesmo ” o mal é , originalmente, aquele pelo qual se é ameaçado com a perda do amor”. Nada nos deixa mais inermes, mais desvalidos, mais ameaçados do que a perda do amor, este entendido tanto no sentido mais literal ( entre pais e filhos ou erótico) como também no mais geral, que os gregos denominavam de filia: a amizade entre os que se escolhem mutuamente como complementares.(...) Sem amor nem filia a humanidade se atrofia e ficamos nas mão de uma inóspita lei da selva. Com razão Goethe disse que “ saber-se amado dá mais força que se saber forte.”

Logo, a aceitação e compreensão do Outro é amor. Este (amor) permite que até hoje nossa espécie sobreviva (com seus altos e baixos) . O amor deve se estender à Natureza que nos acolhe e nos oferece vida. Sejamos responsáveis e comprometidos... cada ato humano , como o ruflar das asas da borboleta, atua e faz o mundo/universo se transformar. Só depois deste entendimento, podemos clamar pela justiça... e lutar por ela.







QUEM DESEJAMOS SER?


Depois de ler os textos de uma amiga, excelente educadora, que se preocupa com os caminhos e descaminhos da educação brasileira. Ela se preocupa com os jovens, os cidadãos do amanhã. Lembrei-me de uma parábola, escrita há muito tempo, por um “gênio” solitário, um pouco complexa, mas se resumida e explicitada em forma contemporânea e simples, cabe nesta reflexão e todos poderão compreendê-la.

Ela, a parábola, fala em uma prática de autoconhecimento para todos. Mas, penso nos jovens que ainda estão formando seu modo ser, estão ainda, numa “abertura”. Seu eu ou seu espírito está acontecendo, eles têm um mundo pela frente, se bem formados e construídos, podem contribuir para melhorar sua sociedade e este mundo...

Na primeira fase que ele chama de CAMELO, é a fase da socialização. A fase do eu devo. O individuo recebe as ordens, as leis, as convenções do meio onde vive. Deve estudar, ter bom emprego, ganhar bom salário, comprar casa e carro, tirar férias no litoral, etc. Aquilo tudo que ele faz sem pensar ,faz por obrigação, parece que ao nascer recebeu um roteiro a seguir. Ele carrega fardos que a sociedade em que vive coloca no seu “lombo”. Mas, com o correr do tempo ele começa a se inquietar e a se interrogar, sente-se infeliz... Quer respostas. Por que precisa fazer tudo aquilo? Está muito insatisfeito...

Dessa insatisfação e constante interrogação o seu eu /espírito, agora inquieto vai passar para a segunda fase, a do LEÃO. A fase do eu quero. Esta fase é a da auto-afirmação. “Se encontre, seja quem você é”. O homem está sempre numa abertura, é um animal mutante, pode buscar-se e buscar aquilo que lhe falta e vai lhe completar. Na fase do LEÂO, ele faz isso, descobre que pode tudo e quer tudo que pode. Transforma-se em um CAMELO critico e rebelde, até, desrespeitoso, pois passa a ignorar os condicionamentos, ordens e leis anteriores. Joga fora todo o fardo que carregava fora, agora transmutou-se em um LEÂO, livre , forte e poderoso. Está na fase da negatividade e da descoberta.

Mas chega um momento em que o eu quero e eu posso, não é o suficiente para aquele eu/espírito livre que começa a se inquietar. Ele quer sua identidade, quer se forjar, quer dizer “eu sou” e então chega à última fase que vai fundir-se com as outras duas em um equilíbrio harmônico. Esta é a fase da CRIANÇA. Esta última transmutação deve, agora, se construir, se forjar e se tornar um espírito livre e grande, destes que o mundo necessita para ser o melhor dos mundos. As nossas instituições educacionais, dinâmicas e transformadoras, poderiam fazer estas transmutações também... Devo? Quero? Faço?

Aqui, está tudo simplificado, para qualquer um poder entender o caminho na direção do autoconhecimento. Acho importante dizer , também, que é minha interpretação pessoal da parábola. Ela é bem maior e mais complexa que esta singela apresentação. Assim, eu a conto para meus filhos desde que eram adolescentes. Resta, também, afirmar, que nem todos passam pelas três fases: uns ficam acomodados na primeira fase do CAMELO, faz bem para eles; outros seguem até a segunda fase, do LEÃO, gostam dela., quero, quero ... Mas o ideal desta parábola é atingir a terceira fase, a da CRIANÇA..

Entratanto, parece, que nem o solitário “NIETZSCHE”, que forjou esta linda verdade, chegou lá, não teve tempo suficiente. No meio da jornada, enlouqueceu, e acabou morrendo cedo demais...






Refletindo a vida... qual seu sentido?

Admiro pessoas desligadas, que não gostem de pensar em demasia, acho que as invejo também. Vivem o aqui e o agora e são felizes. Passado e futuro não existem. Não é errado viver assim, deve ser maravilhoso...

Mas, eu sou diferente, me apaixonei pelo pensamento e imaginação desde menina. Fui criada em escola internato. Carente, fugia daquela prisão pela leitura de livros ; através dos pensamentos e da imaginação. Viciei minha mente. Qualquer instante da vida me leva a pensar, refletir e imaginar. Muitas vezes, demasiadamente, chega doer tamanho desassossego...

Dizem que nos pomos a pensar quando descobrimos que somos finitos, simples mortais. A partir daí busca-se através do pensar o sentido da vida e de tudo mais... Respostas aparecem aos montes e variadas. Vão se modificando com o passar dos séculos. O que permanece sempre é a mesma questão - Qual o sentido da vida?

Acho que é por isso que a razão nos abraçou, somos os únicos viventes que sabem que finalizam, morrem. Creio que filosofar/pensar não é só racionalizar (razão), mas é imaginação criadora – há séculos busca-se e encontram-se respostas, que se renovam sempre.

Mas, particularmente, acho que a vida não tem sentido algum. Quem tiver a sorte de nascer, crescer e morrer (um prêmio) com dignidade e respeito por esta vida (e tudo que vem com ela época/sociedade/contexto) que é uma dádiva, venceu a eternidade... e existiu – eis o sentido.

Vou encerrar essa divagação/reflexão com pensamentos de Steiner e versos Heine (pertinentes).

Gosto deste pensamento de George Steiner :

“ Foi a mediação do imaginário, do inverificável (o poético), foram as possibilidades da ficção (mentira) e os saltos sintáticos para amanhãs sem fim que transformaram homens e mulheres, mulheres e homens, em charlatões, em murmuradores, em poetas, em metafísicos, em planejadores, em profetas e em rebeldes em face a morte”

Também amo estes versos de Heine:

E não deixamos de perguntar,
Uma vez e mais outra,
Até que um punhado de terra
Nos cale a boca...
Mas será isso uma resposta?














 

 

ANDO CÉTICA DEMAIS

Ando cada vez mais cética. O mundo virtual alimenta meu ceticismo, até porque muita coisa nele é dúvida metódica  que bem cabem nesta minha singela reflexão  jamais devemos admitir uma coisa como verdadeira a não ser que a conheçamos evidentemente como tal”. Quanto a mim -  eu penso, reflito e existo -  Descartes se daria bem com sua teoria neste nosso novo mundo virtual. Logo,  acho bom estar atenta e alerta  para não ter frustrações, desgostos e decepções...vou seguir , também, o conselho da minha avó - Um olho no gato e o outro no peixe...
ALICE LUCONI NASSIF


 

 

 

 

A SOLIDÃO...

 

            Um amigo em comum tinha falecido e estávamos no seu velório. Passamos toda à noite lá, a capela estava sempre repleta. Roberto, o falecido, tinha muitos amigos. Observamos, então, que a capela ao lado estava quase vazia. Só um irmão e uma irmã do morto estavam lá. Quando fomos tomar um café fora das capelas, nos encontramos e eles comentaram que o irmão era muito solitário. Ficara solteiro, não formara família e tinha poucos colegas de trabalho. Estes viriam na hora do enterro na manhã seguinte. Não tinha amigos. Minha amiga e eu, com pesar, passamos o resto da noite falando sobre a solidão.

            Ser solitário no mundo de hoje, parece, quase, normal. Uma multidão de pessoas, que não se comunicam e vivem na solidão. As pessoas sabem-se solitárias e sofrem por isso. A amizade é um bom antídoto para esse mal. Mas, fazer verdadeiras amizades também não está fácil. Feliz daquele que tem amigos. Há pessoas especiais que conservam e alimentam suas amizades desde sua juventude. Isso é muito bom, estes nunca se sentirão infelizes e solitários. 

            Depois desta conversa, já em casa, lembrei-me de uma escritora que aprecio muito e que vivera nos tempos da segunda guerra mundial - Hannah Arendt. Ela fala muito sobre a solidão e daqueles dias difíceis em que se sentiam abandonados por todos. Ela, a Hannah e os outros judeus seus amigos, fugiam dos nazistas naquele momento insano da nossa civilização. Os amigos, quase todos intelectuais, receberam asilo e se espalharam pelo mundo. Ela foi para os EUA. Aqueles que sobreviveram, quando voltaram a se encontrar, não conseguiam falar dos momentos horríveis que passaram, nem expressavam seus sentimentos e pesares, só continuavam vivendo... Sabemos que muitos nunca superaram estes tristes dias.

            Vou colocar para vocês umas considerações da “amiga” Hannah Arendt. Ela colocava seus sentimentos em suas obras e também gostava de poetar. Foi grande amiga de W.H.Auden (1907-1973), o grande poeta inglês naturalizado americano. Adoro seu último poema que irei colocar para vocês se deleitarem.   Quanto a Hannah, a  solidão e o homem que está só , mas  não é um solitário era um tema sempre recorrente nos seus textos:

" ...Solidão não é estar só. Quem está desacompanhado está só, enquanto a solidão se manifesta mais nitidamente na companhia de outras pessoas.

...Na opinião de Epicteto ( o filósofo escravo), o homem solitário vê-se rodeado por outros com os quais não pode estabelecer contato e a cuja hostilidade está exposto. O homem só, ao contrário, está desacompanhado e, portanto, "pode estar na companhia de si próprio" , já que os homens têm capacidade de " falar consigo mesmos". Em outras palavras, quando estou só, estou "comigo mesmo", em companhia do meu próprio eu, e sou, portanto, dois-em-um; enquanto, na solidão, sou realmente apenas um, abandonado por todos os outros. A rigor, todo ato de pensar é feito quando se está a sós, e constitui um diálogo entre eu e eu mesmo; mas esse diálogo dos dois-em-um não perde o contato com o mundo dos meus semelhantes, pois que eles são representados no meu eu, com o qual estabeleço o diálogo do pensamento. O problema de estar a sós é que esses dois-em-um necessitam dos outros para que voltem a ser um - um indivíduo imutável cuja identidade jamais pode ser confundida com a de qualquer outro.

...O que torna a solidão tão insuportável é a perda do próprio eu, que pode realizar-se quando está a sós, mas cuja identidade só é confirmada pela companhia confiante e fidedigna dos meus iguais. Nessa situação, o homem perde a confiança em si mesmo como parceiro dos próprios pensamentos, e perde aquela confiança elementar no mundo que é necessária para que se possam ter quaisquer experiências. O eu e o mundo mais a capacidade de pensar e de sentir,  perdem-se ao mesmo tempo."
 
Hannah Arendt (1906-1975) Filósofa alemã, de origem judaica, estudou com Heidegger e Jaspers, tendo emigrado para os EUA em 1941. Principais obras: “As origens do totalitarismo” (1951) ;  “ A condição humana”(1958); “ Entre o passado e o futuro” (1968).
            Agora não posso deixar de colocar o último poema de Auden , que me toca o mais profundo da alma...  espero que gostem.

Blues Fúnebres
W. H. Auden

Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás.

Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto — um laço no pescoço —
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.

Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto
viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.

É hora de apagar estrelas — são molestas —
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo doravante.